sábado, 24 de janeiro de 2009

Contra o agronegócio, a rebeldia camponesa
por Michelle Amaral da Silva última modificação 23/01/2009 11:49
Debatedores mapeiam interesses e contradições do capital na agricultura

22/01/2009
Dafne Melo eMarcelo Netto Rodrigues,de Sarandi (RS)
Controle das sementes, da água e da biodiversidade e investimentos na produção dos agrocombustíveis e da celulose. Essas são os cinco grandes projetos de expansão do capital no campo, conforme opinou João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), durante um dos painéis do 13º Encontro Nacional do MST, em Sarandi, Rio Grande do Sul. A mesa, que teve como tema o controle das transnacionais sobre a agricultura e suas conseqüências negativas, também foi composta pelo professor e geógrafo da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino.
Para o geógrafo, as transnacionais do agronegócio não medirão esforços para ampliar seus lucros e somente a “rebeldia camponesa” será capaz de frear as novas investidas do capital. “Os camponeses compõem hoje uma classe social que tem a possibilidade de reverter o processo produtivo imposto pelo agronegócio. Eu espero que vocês cumpram esse papel histórico colocado em suas mãos”, afirmou Umbelino.
Controle de circulação
Ao iniciar sua exposição, Stedile enfatizou que, para além da celebração dos 25 anos do MST, o motivo pelo qual os 1500 delegados estão reunidos em Sarandi é a reflexão sobre as novas condições impostas pelo capitalismo, distintas daquelas enfrentadas pelos militantes nos primeiros anos. “Hoje, é necessário um grau de conhecimento e acompanhamento cada vez maior das ações do capital para controlar a natureza e a produção agrícola”, disse.
Os dois expositores explicaram que cada fase do capitalismo gerou uma demanda diferente no setor agrícola. Na atual fase, do capitalismo financeiro globalizado, foi invertida a regra clássica do capitalismo industrial, onde a produção dos alimentos determinava a sua circulação. Hoje, a circulação, controlada pelas transnacionais e pelo setor financeiro, determina as condições de produção. “Grandes monopólios se formaram e atuam de forma a controlar a produção e distribuição de alimentos no mundo, ainda que não plantem um único pé”, apontou Umbelino.
“Agronegocinho”
Esse é um dos grandes entraves para a realização da reforma agrária nos país, e também para a sustentabilidade da agricultura camponesa. “O agronegócio subordina, sujeita, submete a agricultura capitalista, a agricultura familiar e, muitas vezes, setores da agricultura camponesa. O agricultor perde o poder de decidir o que e como vai cultivar e criar, e uma parte cada vez maior de sua renda vai para a agroindústria, pois é ela quem decide o preço dos produtos”, argumentou Umbelino.
Na prática, o que muitas vezes acontece com o pequeno agricultor é ver-se impelido a sucumbir a essa forma de produção no campo. O difícil acesso a linhas de crédito e de assistência técnica para aqueles que têm como objetivo a produção de alimentos – e não de monocultivos para o agronegócio – de maneira sustentável, também são decisivos. E o Estado brasileiro ainda não mostrou interesse político em elaborar financiamentos e assistência para esse setor. “Há uma visão de que o agricultor familiar deva ser um pequeno empresário, que deve fazer sua propriedade dar lucro, deve integrar-se à cadeia produtiva do agronegócio”. Assim, ele deixa de lado a policultura e a produção de alimentos e se especializa na produção de um único produto. "É o que vocês costumam chamar de agronegocinho”, completou o geógrafo.
Modelo insustentável
Além de monopolizarem a circulação das mercadorias agrícolas, essas empresas transnacionais deverão investir ainda mais pesado em pesquisas na área de agrobiologia, como a transgenia. “É o único caminho para obter maior produtividade”, afirma Umbelino, acrescentando que o “controle genético das sementes põem em risco qualquer possibilidade de se discutir a soberania alimentar”.
Entretanto, há muitas contradições no atual modelo. Stedile elencou uma série delas que mostram a insustentabilidade do agronegócio. Do ponto de vista ambiental, a prática da monocultura, com o uso excessivo de agrotóxicos e da transgenia, gera contaminação e esgotamento dos recursos naturais e da biodiversidade. Além disso, os alimentos processados e os animais produzidos pelo agronegócio têm se mostrado insalubres para o consumo humano.
Já sob o aspecto econômico, para aumentar a produtividade, têm sido necessários investimentos cada vez mais altos e insustentáveis. A maior parte dos insumos químicos usados é derivada do petróleo, que mesmo com o preço mais baixo, ainda tem um custo alto, além de ser um recurso esgotável.
O atual modelo, continuou Stedile, também fez com que os países perdessem a soberania na produção de alimentos. Mesmo com toda a iniciativa de se realizar a reforma agrária no governo Hugo Chávez, a Venezuela produz apenas 75% do que consome, sendo obrigada a exportar o restante. O Paraguai, país com um dos solos mais férteis do mundo produz apenas 60% do que consome.
Por fim, Stedile apontou que o agronegócio não gera empregos no campo, sendo esse, nesse momento de crise global, em que as taxas de desemprego pelo mundo tendem a crescer, uma das contradições que devem ser exploradas pelos movimentos camponeses. “Temos que denunciar que o agronegócio causa desemprego. Agronegócio é a agricultura sem agricultor”, finalizou.

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